segunda-feira, 29 de junho de 2009

A Casa da Minha Avó


a casa da minha avó., upload feito originalmente por Beto Sandall.

Alameda Gabriel Monteiro da Silva, 1417. Alí, depois da Faria Lima, segue em frente.... perto do supermercado... em direção a Av. Rebouças...
Assim começa essa história.
A casa era branca, de janelas azuis, portão de ferro que rangia um rangido que eu escuto até hoje. Aliás, a casa é tão viva dentro de mim, que eu consigo ouvir todos os seus sons. Tinha a porta de entrada, branca e pesada. Por essa porta, a gente entrava num hallzinho de tacos sintecados, tinha um aparador onde ficava o telefone, o espelho. E ainda tinha uma portinha secreta, em baixo da escada, onde meu avô guardava tudo o que não era pra gente mexer. Era um tesouro.
Duas portas levavam pra sala de visitas e pra sala de jantar. E tinha a escada... ah, a escada....
A escada era em curva, tinha um corrimão largo por onde a gente brincava de escorregar. Uma passadeira presa por ferrinhos de latão dourados e polidos. Eles faziam um barulho especial, um som oco do tapete e o clinck do ferrinho... anunciavam que alguem estava subindo. Ao longo das paredes da escada, alguns quadros pintados pelo meu avô, pelo meu tio... Uma clarabóia escondida no teto deixava passar a luz na escada... acho que só eu olhava pra clarabóia de vidro e imaginava como funcionava, de que era feita. Eu já era arquiteto aos 5 anos de idade.
A sala de visitas, ficava no lado esquerdo de quem entrava no hallzinho... o chão era de taco com um tapete em cima, uma estante com milhões de livros - a maioria encadernada pelo meu avô. Tinha um piano, dois sofás, uma mesinha de centro e uma vitrola antiga, que só meu avô sabia mexer.
A sala de jantar era onde tudo acontecia. Todas as decisões importantes, o café da manha farto, o almoço, o jantar.. os lanches e as canjas... alí a gente tambem devorava pães de queijos preparados pelas mãos gordinhas e brancas da minha avó. Ela preparava o pão de queijo com uma alquimia que só ela sabia fazer.
A copa era fria, teto alto, azulejos decoradinhos, armários brancos e tinha um relógio. Ah, o relógio... ele ficava em cima da porta e a gente ouvia o tic-tac dele o tempo todo. Os silêncios da casa eram quebrados pelo tic-tac do relogio... tic-tac-tic-tac... quantas insônias foram embaladas pelo tic-tac... os assaltos da geladeira, as conversas mais secretas, as broas de milho, o cheiro de café, tic-tac-tic-tac...
Em cima era a festa.. lá não tinha problema... eram risadas, brincadeiras, esconderijos, carrinhos, peão, brinquedos... o quarto da frente com aquele armário branco que parecia um muro.. era imenso... a cortina de voal, a janela de veneziana com aqueles buraquinhos que passavam a luz do dia, pra acordar a gente com carinho... as paredes era geladas no inverno... eu gostava tanto de ir pra casa da minha avó, que na hora de dormir, eu passava a mão no chapiscado da parede do quarto e dizia pra mim mesmo: - nao acredito que eu to aqui... não acredito! que bom! e dormia todo agasalhado, naqueles pijamas de bolinha que todos nós tinhamos, As camas ficavam no quarto do meio, onde tinham dois altares: uma estante com as imagens dos santos e a maquina de costura da minha avó. Tudo tinha uma textura e cheiros inesqueciveis...
Lá de cima se ouvia o tic-tac do relógio... o banheiro com aquela porta de aluminio que eu brincava de elevador... o quarto dos meus avos...
Lá em baixo tinha o jardim da frente, cheio de roseiras que meu avô cuidava.... um caminhozinho de pedras, grama pelo de urso... era uma floresta pros nossos tamanhos... como era grande o jardim... o quintal, o corredor da garagem, mais plantas, a garagem... a garagem era um santuário... os jornais velhos, panelas, milhões de coisas que quase nunca eram usadas.... mais um quintal, mais plantas, o tanque e a escada que ia pro quarto da Hélia, da Eva, e de outras tantas que a gente nao consegue lembrar... a gente fumava escondido lá no quarto delas. Elas ficavam brabas com a gente, mas fazer o que .
Depois a casa começou a ficar menos fria, fricou mais quente... A Vivian casou lá, os velórios que eu não participei...
Na casa da minha avó, eu me angustiei com as provas de seleçao da Varig, fiquei feliz com a minha admissão na Varig, o curso... tudo foi alí.... A chegada do Alexandre, minha avó virou Bisa.
E não tinha mais o meu avô, depois não tinha mais a minha avó.
Hoje o relógio nao faz mais tic-tac. Mas eu ainda escuto. Tic, tac.
O portão nao range mais, mas eu ainda escuto. Ele range e bate. Eu ainda entro naquela copa, ainda sinto o cheiro da canja quentinha, escuto os passos da minha avó na escada, subindo devagar, um pé, o outro depois. Ouço minha tia Maria Lúcia subindo a escada com aquela violência decidida, passos fortes, faziam barulhos. Eu sinto a textura das paredes que me deixavam tão seguros, eu vejo o sol entrando pelos furinhos da janela...
Eu ainda vejo o meu avô e a minha avó na porta da frente, recepcionando a gente, despedindo da gente.
Eu ainda lá dentro.
E a casa nem existe mais.
Alameda Gabriel Monteiro da Silva, 1417.
minhas melhores histórias foram aqui.
, que saudade eu tenho de voce...

2 comentários:

Ana disse...

Só vc mesmo pra me fazer chorar numa segunda-feira..
Vó, que saudade eu tenho de voce..
e do vô então...

Helga disse...

A casa da sua avó é linda, e você contou a história de um jeito tão fofo, que eu "vi" você vivendo os fatos!
Me deu saudade da minha avó, do meu pai, enfim, saudade.
Beijão